O ENSINO DA
LÍNGUA PORTUGUESA PARA ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL I: UMA ANÁLISE DA
METODOLOGIA DE ENSINO ATRAVÉS DOS GÊNEROS TEXTUAIS E CRITÉRIOS A SEREM
UTILIZADOS PARA ESCOLHA DE LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA.
Jorge Luiz Pereira Pontes
RESUMO
Este artigo traz critérios a
serem utilizados em análise de livros didáticos destinados ao uso em sala de
aula pelo professor de Língua Portuguesa na educação básica. Os critérios foram listados através de
pesquisa bibliográfica no trabalho de autores como Mikhail Bakhtin (1981, 2000,
2004), Vijay K. Bhatia (1993, 2014), Adair Bonini (2003), Luiz Antonio
Marcuschi (1999), Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz (1999), e outros. Fica
evidente aqui o papel dos gêneros textuais enquanto meios de comunicação e
objetos de estudo no ambiente escolar bem como sua manifestação nas obras
didáticas. Esse construto teórico apoia o trabalho docente na medida em que se
percebe que o papel do professor também se reproduz em esferas acadêmicas e
sociais, como na escolha de um livro didático, momento em que a dimensão
técnica é posta a prova.
Palavras-chave: Livro didático,
gêneros textuais, trabalho docente.
Objetivando
propor um espaço de opinião e reflexão acerca da escolha dos livros didáticos a
serem utilizados no município de Maracanaú no período letivo de 2013 a
Secretaria de Educação promoveu em fevereiro do mesmo ano um encontro com todos
os educadores da rede municipal de ensino.
Os
professores foram divididos por áreas e apresentados aos livros didáticos, que
seriam usados a partir daquele evento. Esta situação de análise suscitou vários
questionamentos sobre quais critérios técnicos, epistemológicos e ideológicos
poderiam estar presentes no processo de escolha de obras candidatas à adoção em
um sistema de ensino.
Na análise, foi possível perceber
principalmente um fato comum entre os livros que era a presença dos gêneros
textuais como elementos norteadores de todas as unidades e atividades
configurando uma tendência de tornar o ensino da língua nativa cada vez mais
próximo de situações reais de comunicação o que por sua vez reforça o caráter
social da língua atuando como elemento que possibilita revelar nossa
organização social tal como afirma Bakhtin (1981, p. 19):
At any given moment… a language is stratified not only
into dialects, but is… stratified as well into languages that are
social-ideological: language belonging to professions, to genres, languages
peculiar to particular generations, etc. This stratification and diversity of
speech will spread wider and penetrate to ever deeper levels so long as a
language is alive and still in the process of becoming.
Foi a partir
desse momento que se buscou compreender melhor que aspectos da obra escolhida
naquele ensejo poderiam mostrar-se positivos ou negativos durante sua
utilização em sala de aula. A pesquisa se apoiou no trabalho
autores como: Mikhail Bakhtin (1981, 2000, 2004), Luiz Antonio
Marcuschi (1999), Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz (1999),
Bhatia (1993,
2014),
entre outros.
O
principal objetivo deste trabalho foi reunir em um quadro-resumo os aspectos
mais relevantes que deveriam constar em uma obra didática para o ensino da
língua portuguesa. Estes aspectos foram resultado de uma ampla pesquisa
bibliográfica sobre os mais eminentes teóricos da área de gêneros textuais. É possível ainda acrescentar que também
constituiu objetivo específico deste trabalho aprofundar os estudos acerca da
aplicação metodológica dos gêneros textuais como ferramenta de ensino além de
afirmar essa metodologia como eficiente e eficaz demonstrando, contudo
elementos importantes que, quando não considerados, transformam o ensino
através de gêneros textuais em apenas mais uma estratégia tradicional de ensino
onde o elemento comunicativo (o texto-gênero) passa a ser fim e não mais meio
comunicativo.
Os
objetivos acima listados buscaram trazer à luz as respostas que satisfizessem
às seguintes indagações:
·
Qual
seria o modelo adequado de livro de português para que fosse possível, quando
utilizado, servir de apoio técnico efetivo na ação docente?
·
Como
os gêneros textuais, formas construídas socialmente e que respondem a
necessidades sociais e empíricas de comunicação, poderiam ser imobilizados numa
obra de ensino sem que se comprometesse sua função comunicativa?
No
início dos estudos o entendimento era a crença, até então não confirmada, de
que haveria de fato um modelo de eficácia, ainda que não de uma única fonte
teórica, esta representada por um único autor, mas de vários autores que em
conjunto expressariam um rol de parâmetros metodológicos capazes de dar
segurança ao professor na difícil tarefa de julgar a qualidade técnica de uma
obra. Reunir esses conceitos, em maior número possível, dando-lhe a coesão
necessária para consulta e uso por parte de professores, constituiu o maior e
mais relevante trabalho.
Buscou-se,
ainda, compreender de que maneira os gêneros, formas prontas de comunicação,
nascidas em contextos empírico-sociais, se desconfigurariam de sua primeira
natureza e passariam a ser tratados como objetivos educacionais. A primeira
suposição era de que ocorreria inevitavelmente uma adequação ao processo
ensino-aprendizagem e, por conseguinte, uma desnaturalização do gênero enquanto
ferramenta de comunicação. Desta forma, comprovar tais hipóteses, também
direcionou os passos para conclusão desse estudo que, doravante segue relatado
em seus pormenores.
O
trabalho foi dividido em três capítulos, um subcapítulo e conclusões. No
primeiro capítulo há uma breve contextualização acerca dos gêneros textuais em
que se vê a superação do antigo modelo baseado nas três tipologias de texto
(narração, dissertação e descrição) pela recente metodologia de ensino através dos
gêneros textuais. O segundo capítulo busca definir dois aspectos centrais no estudo
dos gêneros textuais: A Interdiscursividade e o Hibridismo discursivo. Através
desta definição é possível perceber a extrema plasticidade que possuem os
gêneros e, ao mesmo tempo, a dificuldade de transformar esses construtos
comunicativos em meros objetos de análise linguística. O capítulo três trata
dos gêneros enquanto fins de aprendizagem. As reflexões trazidas nesta seção
analisam as metamorfoses ocorridas na passagem dos gêneros, enquanto elementos
construídos socialmente com fins comunicativos, para modelos de aprendizagem.
Ainda no capítulo três há um subcapítulo onde é apresentado o resultado
empírico das reflexões trazidas na pesquisa. O produto final deste trabalho é
um referencial composto de sete parâmetros destinados a servir de consulta para
professores que se deparam com situações de escolha de uma obra didática de
Língua portuguesa. Nas conclusões é feita uma análise do trabalho no sentido de
verificar a consecução dos objetivos propostos ao longo do estudo.
1 – GÊNEROS TEXTUAIS – UMA BREVE DEFINIÇÃO
Os gêneros textuais tem sido, desde
a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), a ferramenta
de ensino amplamente recorrida pelas editoras na composição de suas obras
didáticas, o que expressa a tentativa de superar o tradicional ensino a partir
dos tipos textuais os quais Marcuschi (2003, p. 22) define como:
[...] espécie
de construção teórica definida pela natureza lingüística de sua composição
{aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os
tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como:
narração, argumentação, exposição, descrição, injunção.
Por serem construções empíricas que melhor expressam o uso da língua
atendendo, portanto, a funções
sociocomunicativas, os gêneros constituem, segundo ampla bibliografia, as
expressões que melhor definem a língua em sua real funcionalidade. O ensino da
língua e propostas de escrita, por muito tempo, basearam-se na memorização de tipos textuais como nos informa
Bonini (1998, apud LOPES-ROSSI, 2012, p. 229): “As propostas de redação nessa
perspectiva tradicional baseavam-se na tipologia textual clássica da
“narração”, “descrição”, “dissertação” e “argumentação””. Conclui-se, portanto,
que o ensino tradicional apoiava-se na memorização de tipos textuais, supondo
que tal aprendizagem daria ao aluno as habilidades de leitura e escrita social.
Tais modelos de produção escrita não
respondiam à multiplicidade de formas textuais em constante construção e
mutação nas esferas sociocomunicativas, portanto não favoreciam a formação
escrita e leitora capaz de dar ao estudante uma possibilidade efetiva de
inserir-se no mundo letrado no sentido de participar criticamente do universo
escrito em suas diversas manifestações. Os gêneros textuais subvertem a
imobilidade comunicativa, percebida no ensino tradicional, através dos tipos
textuais, na medida em que são meios padronizados de comunicação construídos
socialmente. Segundo Marcuschi (2003, p. 19):
[...] os
gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do
dia-a-dia. São entidades sócio-discursivas e formas de ação social
incontornáveis em qualquer situação comunicativa. No entanto, mesmo
apresentando alto poder preditivo e interpretativo das ações humanas em
qualquer contexto discursivo, os gêneros não são instrumentos estanques e
enrijecedores da ação criativa.
Compreendendo a linguagem enquanto
fenômeno educativo e não mero processo mnemônico, faz-se necessário estabelecer
um ensino de língua que conduza o estudante a dominar as múltiplas formas
comunicacionais que se reproduzem na sociedade. Como os gêneros são fórmulas
construídas socialmente e padronizadas pelo uso, eles constituem a melhor
ferramenta para se atingir os objetivos demandados pela sociedade do
conhecimento.
Relembramos
nesse referencial teórico a necessidade de continuar aprendendo (DELLORS et
al., 1998), mas, nos objetivos aqui
propostos, podemos delimitar ainda mais essa necessidade de constante aprendizagem
como: Continuar lendo e escrevendo. Consideramos esse conceito
de extrema importância pelo fato de compreendermos que as formas comunicativas
atuais são constantemente influenciadas e modificadas pelo avanço tecnológico,
gerando novos gêneros através de um constante hibridismo discursivo, essa condição de mutabilidade demanda do leitor a
capacidade manter-se sempre aberto às novas construções comunicacionais,
escritas ou faladas, presentes em nossa sociedade. Sobre esses fenômenos da
linguagem, foi realizado um maior aprofundamento
no próximo capítulo, construído através dos estudos de Bhatia (2010; 2012)
sobre intertextualidade e interdiscursividade.
2 – OS
GÊNEROS TEXTUAIS: OS CONCEITOS DE HIBRIDISMO E INTERDISCURSIVIDADE
Os gêneros textuais facilitam a
comunicação na medida em que, pelo uso, configuram-se em formas padronizadas
capazes de ordenar a ação comunicativa, não obstante, constituem estruturas
plásticas estando, portanto constantemente sujeitas a modificações. Nesse processo em que se inserem, e dos quais nascem, os
gêneros sofrem mutações de ordem estrutural ou de uso. Tais mudanças já foram
assinaladas por Bakhtin (1986, p. 62) em sua análise sobre gêneros primários e
secundários.
It is especially important here to draw attention to
the very significant difference between primary (simple) and secondary
(complex) speech genres (understood not as a functional difference). Secondary
(complex) speech genres – novels, dramas, all kinds of scientific research,
major genres of commentary, and so forth – arise in more complex and
comparatively highly developed and organized cultural communication (primarily
written) that is artistic, scientific, sociopolitical, and so on. During the
process of their formation, they absorb and digest various primary (simple)
genres that have taken form unmediated speech communion. These primary genres
are altered and assume a special character when they enter into complex ones
Nenhum
gênero é inteiramente novo. Paralelamente ao avanço tecnológico, os gêneros sofrem
as influências do uso massivo de novas
tecnologias comunicacionais, que, por
diversificarem o processo comunicativo, criam novas formas de interação, mas
que têm por base gêneros já criados e amplamente utilizados em momentos
anteriores (Tais como a carta e o email).
Dessa
forma, a hibridização de gêneros ocorre constantemente em nossa sociedade. Esse processo é irreversível e só tende a aumentar dado o
constante avanço tecnológico. Eis um desafio para os que se debruçam sobre os
estudos de análise de gênero e de discurso: Eleger como objetos de estudo
aspectos mais dinâmicos da linguagem. Desafio ao qual Mikhail Bakhtin instituiu
como seu objeto de estudo. Este é um ponto muito marcante no construto teórico
bakhtiniano e que o difere sensivelmente do pai da linguística moderna.
Se
Ferdinand Saussure, no desejo de dar ao estudo da língua um caráter mais
científico, desprezou a linguagem em suas manifestações mais livres, em forma
escrita ou falada, influencia notadamente positivista, Mikhail Bakhtin elege
exatamente esse aspecto da linguagem como o mais
importante em sua teoria. Esse ponto revela a
percepção de quão forte tem sido o Materialismo histórico-dialético nas
reflexões de pensadores oriundos da antiga União Soviética tais como Bakhtin e
Vygotsky, ambos elegendo a sócio-interatividade como elemento determinante de
suas construções teóricas. É a partir desse paradigma que pretendo discorrer,
ancorado no trabalho de Vijay K. BHATIA, sobre o conceito de hibridismo,
discursividade e interdiscursividade.
A língua
é um fenômeno complexo e já registramos, no início deste trabalho, o poder que
possui a linguagem de carregar em si as ideologias, os pensamentos,
as ideias e os conceitos
próprios de cada esfera social. Dessa
forma, afirmamos que cada esfera sociocomunicativa só pode ser desmistificada
através de uma análise que priorize diversos pontos de vista. De acordo com Bhatia (2012, p. 24):
I believe that all frameworks of discourse and genre
analysis offer useful insights about specific aspects of language use in
typical contexts, but most of them, on their own, can offer only a partial view
of complete genres, which are essentially multidimensional. Therefore, it is
only by combining various perspectives and frameworks that one can have a more
complete view of the elephant
A análise crítica dos gêneros,
campo teórico bastante enriquecido pelos estudos de Bhatia, tem constituído
neste trabalho importante ferramenta a direcionar as análises que começaram a
tomar corpo na ocasião da escolha do livro didático a ser usado na rede de
ensino de Maracanaú. Porém de acordo com o autor, acima mencionado, é
necessário considerar na análise de gêneros discursivos uma visão
multidimensional e multiperspectiva (BHATIA, 2012).
Suas
reflexões o levaram a criar os três aspectos que todo pesquisador deve atentar
na análise discursiva, quais sejam: Aspectos textuais (Aqui, compreende-se
que se tratam dos próprios gêneros que constroem
o universo discursivo característico do contexto social); Aspectos
sociopragmáticos (Aqui entram não só a linguagem, falada ou escrita, mas as
práticas profissionais) e finalmente aspectos sociais. Cabe assinalar que os
estudos de Bhatia destinam-se a desmistificar as intenções e ideologias
presentes na escolha de diferentes gêneros em áreas comerciais e jurídicas, ou
seja, áreas profissionais.
Tais conceitos, nos
objetivos que aqui são propostos, destinaram-se a reforçar a base teórica no
momento em que se buscou compreender melhor como os gêneros textuais, sofriam
as mudanças percebidas pelo fato de abandonarem seu universo sociocomunicativo
e apresentarem-se enquanto fins de aprendizagem.
As mutações
semiológicas apresentadas por Bhatia em suas pesquisas, ocorridas nos gêneros a
partir das simples mudanças de contexto ou de suporte, ou ainda o simples
emparelhamento de textos, gerando mutua influencia interpretativa pelos
leitores, todos estes fenômenos, enriqueceram a compreensão sobre o trabalho
com gêneros textuais em sala de aula e sobre os aspectos presentes na
composição de uma obra didática.
Pode-se concluir, portanto, que a
interdiscursividade é um fenômeno comum nas interações sociais e constitui
importante ferramenta comunicativa com fins definidos.
Nos
estudos de Bhatia (2012), há uma interessante
explanação de como dois gêneros aparentemente tão opostos que se unem em um suporte textual (Uma carta anual para os acionistas
de uma empresa) para atingir um objetivo de certa forma antiético na medida em
que, supondo inabilidade de seus leitores em interpretar o balanço anual da
empresa (nem sempre positivo) busca-se gerar
nesses leitores uma expectativa positiva, não
pelos números contábeis, mas pelo gênero discursivo utilizado nas relações
públicas, registrado ao lado do balanço. No referido texto as palavras do
presidente da empresa, expressando otimistas previsões, aparecem ao lado dos
números anuais, emprestando-lhes a virtual positividade e tomando do texto
técnico sua aparente credibilidade. Sobre
este episódio, Bhatia (2012, p. 396) melhor define:
The real motivation for placing the two discourses within the boundaries
of the same corporate annual report is that such textual proximity is likely to
lend marketing and public relations discourse the same factual reliability and
hence credibility that is often presupposed from the use of numerical data. The
public relations discourse, on its own, is likely to be viewed by intended
audience of (minority) shareholders as a promotional effort, but when it is
placed in the discoursal context of accounting discourse, which is often viewed
as more evidence-based, factual and therefore reliable, is likely to raise a
legitimate presupposition that it may be drawing its conclusions from the
accounting numbers that are certified by a public authority accepted by the
controlling government agencies. likely to take at least some of the
predictions and speculative statements in the letter rather more seriously than
otherwise.
Como se
pode inferir das breves definições que foram feitas nesta seção, existem
diversos outros fenômenos linguísticos que permeiam o conjunto epistemológico
construído a partir da compreensão básica do que vem a ser um gênero textual.
Os conceitos de hibridismo, domínio discursivo e interdiscursividade são
aspectos, que, embora avançados para uma obra destinada ao ensino de língua
portuguesa dos anos iniciais do ensino fundamental, devem ser de conhecimento
tanto do professor, quanto do autor da obra e da própria editora. Tais aspectos
devem transparecer na obra didática através de atividades e propostas de
leitura e escrita devidamente adaptadas, pois atuam no sentido de aproximar o
ensino da dinâmica interacional a que está sujeita a língua nos contextos
sociais em que se manifesta.
Completando esse referencial teórico, procurou-se
aprofundar as reflexões sobre a natureza dos gêneros que é afetada, dependendo
do suporte ou contexto em que se reproduz. Para tal objetivo, busquei o auxílio
de Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz (1997). Os detalhes dessa parte do estudo
estão registrados na seção seguinte.
Durante as
experiências enquanto professor de português e, ao mesmo tempo, estudante do curso de graduação em Português e suas Literaturas,
foi possível perceber uma dicotomia entre o que os gêneros textuais
representavam nas leituras dos eminentes teóricos até aqui citados
(particularmente Mikhail Bakhtin, que em seu construto teórico desenvolve mais
uma filosofia da linguagem do que propriamente um estudo sistematizado sobre a
natureza e função dos gêneros) e o que era feito em sala de aula.
Os gêneros textuais na ação docente e prática escolar correm o risco de perder
seu caráter de elo entre práticas sociais de linguagem e assumem a função de
representação da realidade constituindo-se em fins de aprendizagem, e não mais,
meios eficazes fundantes da comunicação (BAKHTIN, 1984).
Schneuwly e Dolz (1997, p. 11) afirmam que “as práticas de linguagem implicam
dimensões, por vezes, sociais, cognitivas e lingüísticas do funcionamento da
linguagem numa situação de comunicação particular.” Desta afirmação, conclui-se que essas mesmas práticas sociais dão origem às formas
padronizadas de comunicação a que chamamos de gêneros, que, nesse contexto, são
resultados e não objetos de linguagem. O aspecto social, interativo que
constitui o gênero sofre uma perda considerável de significação no contexto
escolar, visto que as demandas institucionais (Planejamentos, programa
pedagógico, avaliação programada, períodos fixos de aprendizagem, entre outros) constroem outra realidade interacional,
na qual o gênero deixa de ser caminho propiciador da comunicação e passa a ser
o próprio modelo de representação comunicacional.
Considerando-se que a educação é uma ação planejada e sistemática de
ensino, pode-se inferir que tal mudança na natureza dos gêneros é inevitável. As experiências práticas sugerem que tal
mudança não é inevitável, embora se admita que a escola constitua um espaço
peculiar, mas que não exclui seu caráter social capaz de proporcionar as mais
variadas situações de interação social, contexto gerador de gêneros orais e
escritos.
Um ponto sobre o qual vale refletir é exatamente a forma pela qual seja
possível dotar o estudo dos gêneros da maior significação possível. Aqui cabe
estabelecer o conceito de atividades de linguagem, ferramenta indispensável
para se atingir a mais importante meta do trabalho docente em língua nativa:
tornar nossos estudantes em leitores e escritores competentes. De acordo com
Schneuwly e Dolz (1997, p. 6):
A atividade de linguagem funciona como
uma interface entre o sujeito e o meio e responde a um motivo geral de
representação-comunicação. Ela sempre tem sua origem nas situações de
comunicação, desenvolve-se em zonas de cooperação social determinadas e
atribui, sobretudo, às práticas sociais um papel determinante na explicação de
seu funcionamento.
As
atividades de linguagem não podem desvincular-se das práticas sociais e, nesse aspecto, a ação
docente precisa considerar constantemente que, para atingir um nível de
aproximação da realidade com o estudo através de gêneros, estes devem
necessariamente surgir de situações o mais próximo possível da realidade,
constituindo, portanto, meios de otimização comunicacional, e não modelos
estáticos a se memorizar. Um claro exemplo dessa possibilidade é o estudo de
resenhas. O estudante só poderá compreender o sentido e utilidade desse gênero através de situações em que este texto seja o
melhor caminho para se ter acesso a uma prévia do conteúdo a ser visto no
livro.
Em turmas de quinto ao nono ano do ensino fundamental, distribuir
resenhas a serem lidas na sala de forma coletiva, sem, contudo mostrar os
livros, pode resultar em atitudes curiosas para se conhecer as obras na
íntegra. Estabelecer, posteriormente, uma troca
de resenhas (desta vez, resenhas produzidas pelos estudantes que já leram as
obras) entre séries iguais com salas diferentes é uma situação comunicacional e
significativa que coloca o gênero como meio e não como fim de aprendizagem.
É oportuno registrar aqui as três
situações possíveis (SCHNEUWLY; DOLZ, 1997) que ocorrem quando da inclusão dos
gêneros textuais na escola. Estas são:
·
Desaparecimento da comunicação (Gêneros tidos como
fins de aprendizagem e não construtos comunicacionais nascidos de interações
sociais. Gêneros desnaturalizados, o objetivo aqui é o domínio mnemônico do
gênero);
·
A escola como lugar
de comunicação (A escola é o elemento propiciador de situações comunicacionais
específicas às quais propiciam o surgimento e uso dos gêneros. Estes não são
ensinados tal como um objeto escolar, mas são resultados das necessidades de
interação comunicacional nascidas nos contextos escolares);
·
Negação da escola como lugar específico de
comunicação (Aqui os gêneros de referência entram exatamente como se manifestam
nos contextos de uso. A escola, enquanto local de situações autênticas de comunicação,
é desconsiderada e ocorre a busca da imitação ou recriação dos contextos
comunicacionais externos à escola.)
Segundo os autores, as três situações acontecem na escola em maior ou
menor ocorrência. Estas mudanças são mesmo inevitáveis. De acordo com Schneuwly
e Dolz (1997, p. 11):
Toda introdução de um gênero na escola é
o resultado de uma decisão didática que visa a objetivos precisos de
aprendizagem que são sempre de dois tipos: trata-se de aprender a dominar o
gênero, primeiramente, para melhor
conhecê-lo ou apreciá-lo, para melhor saber compreendê-lo, para melhor
produzi-lo na escola ou fora dela e, em segundo lugar, para desenvolver
capacidades que ultrapassam o gênero e que são transferíveis para outros
gêneros próximos ou distantes. Isso implica uma transformação, pelo menos
parcial, do gênero para que estes objetivos sejam atingidos e atingíveis com o
máximo de eficácia: simplificação do gênero, ênfase em certas dimensões etc.
Mesmo estando de acordo com esta
necessária adaptação que incorre em uma mudança no papel dos gêneros, este
trabalho se propõe a reforçar e afirmar que é possível por em prática o segundo
tipo de situação apontada por Schneuwly e Dolz: A escola como lugar de
comunicação.
Este trabalho chega agora em seu
aspecto mais empírico. As reflexões feitas daqui por diante tiveram suas atenções
centradas principalmente no resumo e aplicabilidade dos conceitos até aqui
estudados. Nesta seção, é apresentado um conjunto de aspectos que, tendo por
base as contribuições dos teóricos citados, busca atuar como um referencial a
se contar em análises feitas sobre obras didáticas destinadas ao ensino da
língua portuguesa.
Sem
querer ocupar nenhuma posição de verdade absoluta, o trabalho aqui desenvolvido
se destina a contribuir no amplo arcabouço teórico já realizado a respeito dos
gêneros textuais e suas contribuições no ensino de línguas. Essa contribuição tende a ratificar a qualidade de
resultados no ensino de língua portuguesa através dos gêneros textuais por
entendermos, através da prática e da teoria, o quão eficiente é esta
metodologia, desde que bem compreendida e corretamente aplicada.
Tendo por base tudo o que aqui foi
registrado, identificou-se que uma obra
didática, que constrói sua proposta sob a metodologia do ensino através dos
gêneros textuais deve apresentar, no mínimo, as seguintes características:
·
Apresentar os gêneros textuais como elementos
centrais de suas unidades de ensino.
·
Apresentar
a maior variedade possível de gêneros textuais.
·
Contemplar em suas atividades os aspectos de
hibridismo e interdiscursividade.
·
Atingir a maior variedade possível de domínios
discursivos, estes devidamente adaptados a cada faixa etária.
·
Buscar referenciar suas atividades em situações
reais de comunicação
·
Apresentar propostas de atividades que perpassem a
mera exploração do texto apresentado, mas estimulem ações de interação social
suscitando o uso de determinados gêneros.
·
Por fim, como resultado destas breves
recomendações, devem apresentar ao professor as sugestões de ações, teoricamente
embasadas, de atividades que suscitem e estimulem as interações sociais de
linguagem, levando em conta que nem todos os docentes estão plenamente aptos a
trabalhar com essa metodologia ou simplesmente não a consideram eficaz nesse
sentido.
Buscando delimitar ainda mais
este referencial teórico no sentido de facilitar seu uso quando da análise de
uma obra didática destinada ao ensino de língua portuguesa, cabe resumir os
itens listados no quadro a seguir:
PARÂMETROS DE
REFERÊNCIA PARA JULGAMENTO DE UMA OBRA DIDÁTICA DESTINADA AO ENSINO DA
LÍNGUA PORTUGUESA BASEADA NO ENSINO ATRAVÉS DOS GÊNEROS TEXTUAIS.
1.
Gêneros como elementos centrais de cada
unidade.
2.
Ampla variedade de gêneros.
3.
Presença de hibridismo e interdiscursividade.
4.
Variedade de domínios discursivos adaptados.
5.
Atividades maximamente contextualizadas.
6.
Atividades suscitadoras de interação,
perpassando a mera interpretação.
7.
Conjunto de propostas de uso e aplicabilidade
da teoria de ensino através dos gêneros.
|
|
Há, evidentemente, inúmeros
outros aspectos teóricos, metodológicos e estruturais que caracterizam uma obra
didática de qualidade pedagógica, porém, para os objetivos que aqui se propôs,
estas foram as características que ficaram mais aparentes nas leituras realizadas.
Tais critérios são dotados de crédito na medida em que foram referenciados em
autores reconhecidos no campo de estudos linguísticos e também porque nasceram
de dúvidas e estudos advindos da prática docente e da pesquisa acadêmica. São
referenciais que podem ser consultados por qualquer profissional de ensino e
que por serem palavras-chave geram resultados de definição mais rápidos e
precisos através das ferramentas virtuais de pesquisa disponíveis atualmente.
Dessa forma espera-se que mesmo para professores ainda não familiarizados com o
universo epistemológico pertinente aos gêneros seja possível obter um
conhecimento seguro sobre o que caracteriza uma obra didática com os mínimos
elementos de qualidade para auxiliar o professor no ensino da língua
portuguesa.
CONCLUSÕES
Ao iniciar esta pesquisa, havia um conceito bem limitado sobre a teoria dos
gêneros textuais e sua aplicabilidade em sala de aula. Essa limitação, porém
apresentava-se, principalmente em teoria, pois em prática já havia produtivas
experiências em sala de aula, e isso foi o que
mais motivou o estudo e a busca por respostas que me capacitassem a desenvolver
um olhar mais seguro sobre a prática docente alicerçada nos gêneros textuais. A
pesquisa evidenciou que é possível reunir pensamentos de diferentes teóricos e
construir um referencial metodológico capaz de auxiliar o professor em sua
tarefa de desenvolver nos estudantes habilidades leitoras e escritas que lhes
dessem possibilidades de participar de forma
crítica e ativa na sociedade do conhecimento. É possível concluir que é
necessário possuir mais que prática ou experiência no julgamento de uma obra
didática. É necessário compreender a gênese dos instrumentos linguísticos que
tem balizado a produção do imenso mercado de livros destinados a apoiar o
professor em sala de aula.
Como resultado do trabalho aqui
desenvolvido, as dúvidas descritas no início da pesquisa encontraram respostas
viáveis. Os gêneros sofrem de fato uma desnaturalização quando transpostos para
o livro, porém a ação docente é condição sine
qua non para diminuir este efeito. As situações de aprendizagem e as
tarefas, que em última instância, são concretizadas pelo docente, são as
oportunidades reais de diminuir o impacto negativo que transforma o gênero em
modelo e não em elemento através do qual ocorrem as atividades comunicativas.
O campo de estudo dos gêneros é
amplo e constantemente mutável visto que seu objeto de estudo faz parte das
dinâmicas de interação social e, portanto,
encontram-se, como nós, em constante evolução histórica. O trabalho aqui
proposto insere-se no imenso cenário teórico sobre os gêneros textuais como
apenas uma pequena contribuição no sentido de tornar essa metodologia mais
próxima e atrativa a todos que dela fazem uso principalmente em sala de aula.
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MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e segundo ciclos do ensino
fundamental: língua portuguesa. 3ª ed. Brasília: MEC/SEF, 2001.
_____. Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro
e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF,
1998.
Piaget. J. A Epistemologia Genética. Trad. Nathanael C. Caixeira. Petrópolis:
Vozes, 1971.
VYGOTSKI.
L. S. A Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991
Em qualquer momento [...] uma
língua é estratificada não somente em dialetos, mas também em linguagens que
são socioideológicas: Linguagens que pertencem a profissões, gêneros, linguagem
peculiares de gerações particulares, etc. Esta estratificação e diversidade do
discurso vai se espalhar mais amplamente e penetrar até os mais profundos
níveis já que a língua está viva e em constante devir. (Tradução própria)
É especialmente importante aqui
chamar a atenção para a diferença muito significativa entre gêneros do discurso
primários (simples) e secundários (complexos) (diferença essa não entendida
como funcional). Gêneros do discurso secundários (complexos) - romances,
dramas, todos os tipos de pesquisa científica, os principais gêneros de
comentários, e assim por diante - surgem em contextos comunicacionais mais
complexos e relativamente muito desenvolvidos e organizados (principalmente de
forma escrita) quais sejam: artístico, científico, político-social, e assim por
diante. Durante o processo de sua formação, eles absorvem e digerem diversos
gêneros primários (simples) que tomaram forma a partir de discursos não
mediatizados. Esses gêneros primários são alterados e assumem um caráter
especial quando integram os gêneros complexos. (Tradução própria)
Acredito que
todas as estruturas de discurso e de análise de gêneros oferecem insights úteis
sobre aspectos específicos do uso da língua em contextos típicos, mas a maioria
deles, por conta própria, pode oferecer apenas uma visão parcial de gêneros
completos, que são essencialmente multidimensionais. Portanto, é
somente através da combinação de várias perspectivas e quadros que se pode ter
uma visão mais completa do elefante. (Tradução própria)
A verdadeira
motivação para se colocar dois discursos dentro dos limites do mesmo relatório
anual das empresas é que tal proximidade textual provavelmente empresta ao
discurso do marketing de relações públicas a mesma confiabilidade factual e,
consequentemente, a credibilidade que, muitas vezes, é atribuída aos dados
numéricos. O discurso de relações públicas, por conta própria, provavelmente é
visto pelo público a que se destina (acioniostas minoritários) como um esforço
promocional, mas quando ele é colocado no contexto discursivo do discurso de
contabilidade, que é visto como tendo por evidências mais, factuais e,
portanto, confiáveis, possivelmente levanta-se um pressuposto de legitimidade que advém dos números contábeis que são certificados
por uma autoridade pública aceita pelas agências governamentais fiscalizadoras.
(Tradução própria)